Hemocromatose cardíaca: quando o excesso de ferro afeta o coração

A hemocromatose é uma condição em que há acúmulo excessivo de ferro no corpo, o que pode afetar diversos órgãos, inclusive o coração. Embora muitas pessoas não conheçam essa doença, ela pode trazer complicações sérias se não for diagnosticada e tratada adequadamente. Neste texto, vamos explicar o que é a hemocromatose, métodos diagnósticos e as opções de tratamento para essa condição..

O que é hemocromatose?

Hemocromatose é uma condição em que o corpo acumula quantidades excessivas de ferro. Normalmente, absorvemos a quantidade de ferro necessária através da alimentação e o corpo elimina o excesso. No entanto, na hemocromatose, há um defeito nesse controle, e o organismo continua absorvendo ferro mesmo quando já tem o suficiente.

Esse ferro em excesso vai se depositando em órgãos como o fígado, o pâncreas, o coração, as articulações e a pele, podendo causar danos progressivos. Se não tratada, a doença pode levar a complicações como cirrose hepática, diabetes, insuficiência cardíaca e alterações hormonais.

Quais são os tipos de hemocromatose?

A hemocromatose pode ser dividida principalmente em dois tipos:

Hemocromatose hereditária (primária): causada por uma alteração genética, especialmente no gene HFE,  que faz o corpo absorver ferro em excesso, mesmo quando ele já está em níveis adequados. É a forma mais comum, e mais comum em pessoas de origem europeia.

Hemocromatose secundária: ocorre como consequência de outras condições médicas, como anemias crônicas que exigem transfusões de sangue frequentes, ou doenças hepáticas.
 

Quais órgãos podem ser afetados?

Na hemocromatose, o excesso de ferro se deposita em vários órgãos e tecidos do corpo, o que pode causar danos progressivos e permanentes se não tratado. Os principais órgãos acometidos são:

  • Fígado: o acúmulo pode causar cirrose e aumentar o risco de câncer hepático.
  • Pâncreas: o ferro em excesso interfere na produção de insulina, favorecendo o desenvolvimento do diabetes.
  • Articulações: podem ocorrer dores articulares e artrite.
  • Pele: pode apresentar coloração bronzeada.
  • Glândulas hormonais: há risco de desequilíbrios hormonais, como hipotireoidismo ou hipogonadismo.
  • Coração: o ferro pode afetar a estrutura e o funcionamento do músculo cardíaco, levando à hemocromatose cardíaca.

O que é a hemocromatose cardíaca?

Hemocromatose cardíaca é uma complicação grave da hemocromatose, em que o excesso de ferro se acumula no coração, prejudicando sua função. Esse acúmulo afeta diretamente o músculo cardíaco (miocárdio), podendo levar à insuficiência cardíaca e arritmias, que podem ser potencialmente fatais se não tratadas.

O ferro em excesso é tóxico para as células. No coração, ele se deposita dentro dos miócitos (células musculares cardíacas), causando:

  • Estresse oxidativo
  • Fibrose miocárdica (substituição do tecido muscular por cicatriz)
  • Rigidez e disfunção diastólica
  • Alterações na condução elétrica

Quais são as possíveis complicações cardíacas?

As principais complicações cardíacas da hemocromatose ocorrem devido ao acúmulo excessivo de ferro no músculo do coração (miocárdio). Esse excesso leva à toxicidade direta nas células cardíacas, resultando em alterações estruturais e funcionais. As principais complicações são:

1. Cardiomiopatia restritiva

  • O ferro deixa o músculo cardíaco rígido, dificultando o enchimento do coração (fase diastólica).
  • Isso causa insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada, especialmente no início.

 2. Insuficiência cardíaca

Com a progressão da doença, o ferro afeta também a força de contração do coração.
Surge então insuficiência cardíaca sistólica, com sintomas como:

  • Falta de ar
  • Inchaço nas pernas
  • Fadiga
  • Intolerância ao esforço

3. Arritmias cardíacas

  • O ferro pode interferir no sistema elétrico do coração.
  • Complicações comuns:
    • Fibrilação atrial
    • Bloqueios atrioventriculares
    • Taquiarritmias ventriculares (potencialmente fatais)
    • Morte súbita cardíaca, especialmente em casos não tratados.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico da hemocromatose é feito por meio da avaliação clínica, exames laboratoriais e, quando necessário, testes de imagem e genéticos.  O objetivo é identificar a sobrecarga de ferro no organismo e investigar sua causa (hereditária ou secundária).

Veja como o diagnóstico costuma ser feito:

Exames laboratoriais: 

São os primeiros exames solicitados quando se suspeita de hemocromatose:

  • Ferritina sérica: proteína que armazena ferro. Valores elevados sugerem acúmulo de ferro no corpo.
  • Saturação da transferrina: mede o percentual de ocupação da proteína que transporta ferro no sangue. Uma saturação > 45% já acende o alerta.

Testes genéticos: 

Se os exames de sangue estiverem alterados, o passo seguinte é:

  • Pesquisa de mutações no gene HFE (associado à hemocromatose hereditária).
  • As duas mutações mais comuns são:
    • C282Y (a mais associada à forma clássica da doença)
    • H63D

A presença de duas cópias da mutação C282Y (homozigose) confirma o diagnóstico da forma hereditária.


Exames de Imagem

Para avaliar a extensão da sobrecarga de ferro nos órgãos:

Ressonância magnética com mapeamento T2*:

  • Método mais preciso para quantificar ferro no fígado e no coração.
  • É o padrão-ouro para diagnóstico e monitoramento da hemocromatose cardíaca.
  • Ecocardiograma e eletrocardiograma: 

Avalia as alterações estruturais e funcionais do coração:

  • Espessamento das paredes cardíacas
  • Disfunção diastólica (coração rígido)
  • Disfunção sistólica (queda da fração de ejeção)
  • Presença de derrame pericárdico ou dilatação de câmaras

Não detecta o ferro diretamente, mas mostra os efeitos que ele causa no coração.

Eletrocardiograma e Holter 24h

  • Podem detectar arritmias, bloqueios de condução ou alterações sugestivas de cardiomiopatia.
  • Arritmias são comuns na hemocromatose cardíaca e podem ser graves.

Qual é o tratamento da hemocromatose cardíaca?

O tratamento da hemocromatose tem como principal objetivo reduzir o excesso de ferro no organismo e prevenir ou tratar as complicações causadas pelo acúmulo desse metal nos órgãos. A abordagem varia conforme o tipo de hemocromatose (hereditária ou secundária), a gravidade do quadro e a presença de lesões em órgãos-alvo.

Abaixo estão os principais métodos de tratamento:

1. Flebotomia (sangria terapêutica)

É o tratamento de escolha na maioria dos casos, especialmente na hemocromatose hereditária.

  • Consiste na retirada periódica de sangue (geralmente 450 a 500 mL por sessão), de forma semelhante a uma doação.
  • Cada sessão remove cerca de 200 a 250 mg de ferro.
  • Frequência: inicialmente semanal, até normalizar a ferritina. Depois, passa a ser mensal ou conforme necessidade (fase de manutenção).
  • É eficaz, simples e de baixo custo.
  • Contraindicações: pacientes com anemia ou instabilidade hemodinâmica.

2. Quelantes de ferro

Indicados quando a flebotomia não é possível (por exemplo, em pacientes com anemia, insuficiência cardíaca grave ou na hemocromatose secundária a transfusões).

  • Principais medicamentos:
    • Deferoxamina (injeção subcutânea ou intravenosa)
    • Deferasirox (via oral)
    • Deferiprona (via oral, menos utilizada)
  • Atuam ligando-se ao ferro circulante para que ele seja eliminado pela urina ou fezes.
  • Usados com mais frequência em pacientes com talassemia, anemias crônicas ou sobrecarga transfusional.

3. Tratamento das complicações

  • Insuficiência cardíaca: uso de medicamentos como IECA, betabloqueadores, diuréticos, conforme indicado.
  • Arritmias: podem exigir uso de antiarrítmicos ou até implante de marcapasso ou desfibrilador.
  • Diabetes: controle com dieta, hipoglicemiantes orais ou insulina.
  • Cirrose hepática: seguimento com hepatologista, rastreio de câncer hepático.
  • Distúrbios hormonais: reposição de hormônios conforme o caso (testosterona, hormônio tireoidiano, etc.).

4. Mudanças no estilo de vida

  • Evitar suplementos de ferro e vitamina C em excesso (a vitamina C aumenta a absorção de ferro).
  • Evitar álcool, que aumenta o risco de lesão hepática.
  • Evitar alimentos muito ricos em ferro heme (ex: carnes vermelhas em excesso), especialmente durante a fase de redução de ferro.
  • Evitar frutos do mar crus, devido ao risco de infecções graves por bactérias como Vibrio vulnificus (mais perigosas em pessoas com excesso de ferro).

5. Monitoramento regular

  • Acompanhamento periódico da ferritina sérica e da saturação da transferrina.
  • Avaliação de órgãos-alvo conforme o caso (exames hepáticos, cardíacos, endócrinos).
  • Nos casos hereditários, pode-se avaliar familiares de primeiro grau com exames de triagem.

Conclusão

A hemocromatose é uma condição silenciosa, mas com potencial de causar sérias complicações, principalmente quando o coração é afetado. A boa notícia é que o diagnóstico precoce e o tratamento adequado podem prevenir ou reverter muitos dos efeitos do excesso de ferro. Por isso, se você tem histórico familiar de hemocromatose ou apresenta sintomas como cansaço constante, dores articulares, alteração na cor da pele ou problemas cardíacos sem causa aparente, converse com seu médico.

Cardiologista – Curitiba

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Dr. Alexandre L. S . Avellar Fonseca – Cardiologista