Amiloidose cardíaca

Amiloidose Cardíaca: sintomas, diagnóstico e tratamento

Conheça nesse post um pouco mais sobre essa doença chamada Amiloidose Cardíaca.  

O que é Amiloidose?

A amiloidose é uma doença rara que ocorre quando uma substância conhecida como amilóide (proteína) se deposita na região extracelular de tecidos e órgãos comprometendo as suas funções. Depósitos de amilóide no coração causam a doença conhecida como amiloidose cardíaca. E à medida que os depósitos aumentam, o coração fica cada vez mais rígido e, consequentemente, pode haver o comprometimento da sua função. O acúmulo de  amilóide no coração pode ocorrer em todas as regiões anatômicas. Dentre eles destacam   os átrios, ventrículos,  espaço perivascular, bem como válvulas e sistema de condução em alguns casos. 

É fundamental o seu reconhecimento pois alguns tipos de amiloidose cardíaca apresentam  prognóstico ruim com média de sobrevivência inferior a 6 meses sem tratamento. Consequentemente, o diagnóstico correto é da maior importância para determinar o melhor tratamento e modificar crucialmente a história natural da doença.

Tipos de amiloidose que acometem o coração

A classificação da amiloidose baseia-se no tipo de proteína precursora que se acumula no tecido. Entre os muitos tipos de amiloidose, quase todos os casos de amiloidose cardíaca clínica (> 95%) são causados por amiloidose transtirretina (ATTR) ou amiloidose de cadeia leve (AL). Outros tipos de amiloidose que raramente causam doença cardíaca incluem  amiloidose  por apolipoproteína A-1 (ApoA-1) ou amiloidose cardíaca secundária a doenças inflamatórias e infecciosas crônicas (AA).

Abaixo falaremos sobre as duas formas mais comuns: amiloidose ATTR (hereditária ou adquirida) e AL. 

Amiloidose por Transtirretina  (ATTR)

Esta forma de amiloidose é causada por deposição de fibrilas amilóides derivadas da molécula da transtirretina (TTR).  A proteína TTR tem a sua produção no fígado e transporta o hormônio tireoidiano e o retinol (vitamina A). Existem dois tipos de amiloidose por transtirretina, a amiloidose ATTR tipo selvagem ( não-hereditária – conhecida anteriormente como amiloidose sistêmica senil) e a amiloidose ATTR hereditária – (ATTRh- conhecida também como amiloidose TTR mutante) .

A amiloidose ATTR do tipo selvagem é causada pela deposição de TTR do tipo selvagem (sequência normal). A prevalência aumenta com a idade e quase todos os pacientes afetados têm idade acima dos 60 anos. Estudos sugerem que a ATTR selvagem é uma causa subdiagnosticada de insuficiência cardíaca (IC).

Enquanto isso, a amiloidose ATTR hereditária ocorre por uma mutação genética e algumas variantes genéticas são endêmicas em regiões geográficas ou grupos étnicos específicos. Embora a mutação TTR esteja presente desde o nascimento, a proteína funciona normalmente até a vida adulta e depois, geralmente entre 30 e 60 anos,  começa a apresentar disfunção que leva à amiloidose.

A deposição de TTR ocorre predominantemente no coração e a principal manifestação clínica é a insuficiência cardíaca congestiva associada à síndrome do túnel carpo, sendo essa a única manifestação extracardíaca. 

Amiloidose de cadeia leve (AL)

Anteriormente conhecido como amiloidose sistêmica primária, a amiloidose da cadeia leve (AL)  é a forma mais comum de amiloidose sistêmica em países desenvolvidos. Ela  resulta da deposição de cadeias leves de imunoglobulina proveniente de uma alteração nas células plasmáticas que produzem anticorpos. Ambos os sexos são acometidos igualmente e a doença geralmente é diagnosticada na idade de 55 a 60 anos.

A amiloidose AL apesar de poder acometer órgãos isoladamente,  geralmente é sistêmica, levando a falência de órgãos e, eventualmente, à morte. Os órgãos mais comumente envolvidos são o rim e o coração, sendo o coração acometido patologicamente em até 90% dos pacientes.

A amiloidose AL está associada a diferentes tipos de discrasias de células plasmáticas monoclonais, incluindo mieloma múltiplo e outras gamopatias monoclonais. 

Quando pensar em amiloidose cardíaca?

Devemos suspeitar de amiloidose cardíaca quando o paciente apresenta sintomas e sinais de insuficiência cardíaca sem uma causa definida para os sintomas . As características principais são de insuficiência ventricular direita , incluindo edema de membros inferiores, distensão da veia jugular, congestão hepática e ascite (liquido na barriga), bem como falta de ar. Além disso, os pacientes podem apresentar síncope (desmaio) ou pré-síncope, pois o sistema de condução pode ser afetado por depósitos de amilóide.  

Outras situações  que devem  levar à suspeita de amiloidose cardíaca são:

  • Presença de  hipertrofia ventricular esquerda inexplicada
  •  Sintomas de insuficiência cardíaca associado à síndrome do túnel do carpo bilateral, neuropatia periférica e disfunção renal  
  • Presença de estenose aórtica e características ecocardiográficas associadas à amiloidose cardíaca.

Qual a idade de aparecimento da Amiloidose Cardíaca?

Nos pacientes com amiloidose cardíaca de cadeia leve (AL) a idade de aparecimento dos sintomas é após os 40 anos. A amiloidose AL é um doença que afeta diversos órgãos como fígado, rins, sistema nervoso autônomo e periférico, pulmão e coração. A infiltração cardíaca de amilóide está presente na maioria dos pacientes com amiloidose AL (50 a 70 por cento) e é o principal determinante do prognóstico. 

Pacientes com amiloidose cardíaca ATTR geralmente apresentam idade acima dos 60 anos.

Quais os sintomas da Amiloidose Cardíaca?

Como dito anteriormente, a apresentação clínica clássica da amiloidose cardíaca caracteriza-se pelos sinais e sintomas da insuficiência cardíaca congestiva (falta de ar progressiva, inchaço das pernas, fadiga e aumento do fígado). Pacientes com amiloidose cardíaca também podem apresentar síncope ou pré-síncope, geralmente causado por arritmias. O depósito de proteína amilóide no miocárdio causa espessamento progressivo das paredes dos ventrículos que resulta no comprometimento do enchimento ventricular. Consequentemente, isso pode levar a alteração na função do coração em estágios mais avançados.

Além das manifestações cardíacas é importante ficar atento para as manifestações extra-cardíacas. As manifestações clínicas da amiloidose por AL, por exemplo, incluem sintomas inespecíficos (cansaço, falta de apetite e perda de peso), distúrbio renal (perda de proteína na urina assintomática e síndrome nefrótica), neuropatia periférica, síndrome do túnel do carpo, comprometimento gastrointestinal (aumento do fígado e sangramento gastrointestinal), macroglossia (crescimento anormal da língua – quase patognomônica) e púrpura (manchas roxas no copo). Pacientes com amiloidose ATTR (do tipo selvagem ou hereditária) geralmente desenvolvem a síndrome do túnel do carpo bilateral como um sintoma precoce.

Como fazer o diagnóstico?

A avaliação diagnóstica inicial do paciente com suspeita de amiloidose cardíaca inclui um exame clínico para identificar e avaliar sintomas e sinais cardíacos e extracardíacos. Além disso, solicita-se inicialmente exames laboratoriais e um eletrocardiograma. Mas como a amiloidose cardíaca é uma doença incomum, e os primeiros sintomas podem ser inespecíficos, muitas vezes há um atraso na realização do diagnóstico.

Mas sempre deve-se  suspeitar de infiltração cardíaca por amiloidose quando um paciente apresentar sintomas de insuficiência cardíaca congestiva, presença de paredes espessas do coração em um  ecocardiograma, particularmente se não houver outra condição cardíaca que possa explicar esses achados.

Apesar da biópsia endomiocárdica  ser o padrão ouro para o diagnóstico de amiloidose cardíaca, esse método é invasivo, caro e indisponível em muitos casos. Portanto, muitas vezes, devemos utilizar de outros métodos não invasivos para confirmar o envolvimento cardíaco.

Exames laboratoriais

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Como a amiloidose AL está mais associada ao distúrbio de células plasmáticas, recomenda-se outras avaliações para detectar paraproteinemia ou proteínas monoclonais. Os exames indicados para todos os pacientes que se suspeita de amiloidose incluem: eletroforese de proteínas na urina, eletroforese de proteínas no sangue, eletroforese por imunofixação e detecção de cadeias leves livres séricas. 

Níveis elevados de BNP no plasma podem ser úteis como marcadores prognósticos da função cardíaca .

Testes laboratoriais também são importantes para avaliação de disfunções orgânicas ( ex: exames de função hepática e função renal).

Eletrocardiograma (ECG)

A fibrila amilóide depositada no miocárdio é um material “eletricamente silencioso”, o que não é detectado pelo ECG. Isso resulta em baixa voltagem (amplitude) nas derivações dos membros (<5 mm).  Se a voltagem no ECG for menor que o normal em um eletrocardiograma, na vigência de paredes espessas em um ecocardiograma, um diagnóstico de amiloidose cardíaca deve ser  fortemente considerado.

Além da alteração na voltagem, esses depósitos podem levar a várias arritmias, como  por exemplo bloqueios cardíacos, fibrilação atrial e taquicardia ventricular complexa.

Ecocardiografia

 É recomendável realizar em todos os pacientes com suspeita de amiloidose, e os achados incluem aumento dos átrios, espessamento da parede dos ventrículos e válvulas, diminuição do enchimento diastólico e padrão granular de aspecto brilhante da  parede ventricular. 

O espessamento do ventrículo esquerdo (VE) (mais comum) na ausência de hipertensão e doença valvar é altamente sugestivo de uma doença cardíaca infiltrativa. (ex: amiloidose, sarcoidose, hemocromatose e doenças de depósito de glicogênio).

A utilização do  Doppler  para acessar a taxa de deformação ( strain rate)  pode revelar a amiloidose cardíaca em seus estágios iniciais e é útil na determinação dos resultados de sobrevida. A redução significativa na taxa de deformação nas regiões da parede média e basal com relativa preservação da região apical tem alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico em pacientes com amiloidose cardíaca. A disfunção diastólica é a marca da doença e progride ao longo do tempo,  podendo evoluir para um padrão restritivo .

Ressonância Magnética Cardíaca (RMC)

A ressonância magnética cardíaca também é útil para o diagnóstico de amiloidose cardíaca, particularmente quando realizada com o uso do gadolínio. A infiltração amilóide leva à expansão do espaço extracelular que retém o gadolínio, resultando em realce do sinal em comparação com o miocárdio normal. Esse achado pode ser detectado na fase de “washout” tardia durante a aquisição tardia da imagem. A amiloidose cardíaca causa padrões anormais de realce tardio do gadolínio como a distribuição global transmural e a distribuição subendocárdica.  O realce subendocárdico global é o padrão mais comum encontrado. No entanto, a RMC não consegue distinguir a amiloidose cardíaca  AL da amiloidose ATTR.

Cintilografia com marcadores ósseos 

Diversos estudos demonstraram a capacidade da cintilografia em diferenciar o subtipo de amilóide, diferenciando o tipo AL do TTR. 

A cintilografia com os marcadores ósseos é altamente sensível e específica para o tipo TTR e, portanto, atualmente, é uma ferramenta de extrema importância na pesquisa da amiloidose cardíaca.  A identificação do subtipo amiloide é parte fundamental do diagnóstico. A determinação incorreta do tipo de amilóide envolvida na doença cardíaca pode ser fatal: os casos de TTR equivocadamente classificados como AL podem ser tratados erroneamente com quimioterapia. Além disso,   tem particularidades que incluem a intolerância aos medicamentos usuais para o tratamento da insuficiência cardíaca (IC), como betabloqueadores e vasodilatadores. Além disso, a forma hereditária da TTR implica em investigação de familiares e aconselhamento genético

Diagnóstico Histopatológico

Apesar de todas essas modalidades, a biópsia com histopatologia continua sendo o padrão ouro, demonstrando depósitos amorfos de fibrilas amilóides.

Ao aplicar o corante Vermelho Congo  na amostra que contém fibrilas amilóides evidencia-se uma cor verde-maçã característica

A gordura abdominal é por vezes escolhida como local devido à facilidade e baixa morbidade do procedimento. No entanto, este local apresenta baixa sensibilidade diagnóstica.

A prática em alguns centros é a biópsia do órgão envolvido ( por exemplo o coração na suspeita de amiloidose cardíaca), porque essa prática tem quase 100% de sensibilidade / especificidade e praticamente permite a subtipagem definitiva.   

Diante de tantos exames, qual seria a abordagem mais adequada para o diagnóstico?

Na presença de achados cardíacos sugestivos de amiloidose, o próximo passo é realizar os seguintes exames laboratoriais: a análise da razão de cadeia leve livres (kappa/lambda) sérica, imunofixação de proteínas séricas e imunofixação de proteínas urinárias. Se a proteína monoclonal for identificada por um ou mais desses testes, o encaminhamento a um hematologista é recomendado para avaliação adicional. A presença de biópsia de tecido não cardíaco (coxim adiposo, fígado, rim) e achados de RMC consistentes com cardiomiopatia amiloide confirmam o diagnóstico. 

Se a proteína monoclonal não for identificada por nenhum dos três testes mencionados acima, o manejo adicional é baseado nos resultados da cintilografia com marcadores ósseos para identificar a presença e extensão da captação cardíaca. A cintilografia cardíaca com traçador ósseo é um teste de referência para identificar a amiloidose ATTR, e a presença de cintilografia de grau 2 ou 3 tem alta sensibilidade e especificidade para amiloidose cardíaca em comparação com a biópsia tecidual.

Existe tratamento para amiloidose cardíaca?

O tratamento da amiloidose cardíaca deve ser direcionado tanto para a causa específica como para as complicações. Além disso, no caso da amiloidose TTR hereditária, o aconselhamento genético é fundamental.

Tratamento de complicações e comorbidades

Os cuidados de suporte de pacientes com amiloidose cardíaca abrangem diferentes aspectos clínicos, incluindo o tratamento de insuficiência cardíaca, arritmias, distúrbios de condução, tromboembolismo e presença concomitante de estenose aórtica grave

Tratamento específico (modificador da doença)

O tratamento do processo de deposição de amilóide deve ter como alvo a produção de proteína precursora de amilóide ou a formação de fibrilas amilóides.

Amiloidose de cadeia leve

As principais modalidades de tratamento na amiloidose AL são quimioterapia e/ou transplante autólogo de células-tronco. Bortezomibe, ciclofosfamida e dexametasona constituem os regimes iniciais de quimioterapia mais comuns, resultando em taxas de resposta hematológicas satisfatórias.

O acompanhamento deve ser realizado por equipes multidisciplinares envolvendo especialistas em onco-hematologia e cardiologia e, sempre que possível, os pacientes devem ser encaminhados para centros especializados.

Os pacientes com amiloidose AL geralmente têm envolvimento de outros órgãos, o que os tornam particularmente frágeis e suscetíveis à toxicidade do tratamento. E a resposta cardíaca dependerá muito da resposta ao tratamento hematológico.

Amiloidose transtirretina

Há uma disponibilidade crescente de novas opções terapêuticas que são eficazes para ATTR selvagem e ATTR hereditária. Um diagnóstico imediato é essencial, já que a terapia é mais eficaz nos estágios iniciais da doença. 

1- Tafamidis

A medicação Tafamidis é atualmente o medicamento de escolha  para o tratamento de amiloidose cardíaca em pacientes com ATTR selvagem e ATTR hereditária. Esta medicação atua estabilizando o tetrâmero de transtirretina levando à formação reduzida de amilóide TTR. O medicamento Tafamidis tem a capacidade de reduzir a mortalidade e hospitalizações relacionadas ao acometimento cardíaco.

2- Patisiran e Inotersen

Vários agentes para amiloidose ATTR estão sob investigação emestudos, mas seu efeito na cardiomiopatia amiloide ainda não foi estabelecido. Patisiran e inotersen são terapias direcionadas ao RNA que interferem na síntese de TTR no fígado e, assim, reduzem a capacidade de formar depósitos de amilóide. 

3- Transplante de Fígado

Pacientes com cardiomiopatia ATTR hereditária também podem ser submetidos à avaliação para transplante hepático. O transplante de fígado remove o TTR amiloidogênico mutante na cardiomiopatia ATTR hereditária, pois a fonte de proteína amiloidogênica é o fígado. No entanto, o transplante do fígado não é indicado na amiloidose ATTR do tipo selvagem.

Acompanhamento de portadores de mutação e aconselhamento genético

O teste genético é recomendado para parentes de pacientes com forma hereditária de amiloidose cardíaca. Ele é importante para o aconselhamento genético dos pacientes e suas famílias. Como todas as amiloidoses hereditárias têm início na idade adulta, o teste genético em menores não é recomendado. O teste genético pode ser oferecido durante a idade adulta jovem se a informação genética parecer útil para orientar as escolhas profissionais ou para o planejamento reprodutivo.

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Dr. Alexandre L. S . Avellar Fonseca – Cardiologista